
04 jan Navegação travada – entrevista do CEO da Aliança Navegação e Logística e Hamburg Süd, Julian Thomas
Brasil tem portos caros porque falta continuidade nos projetos de governo, diz CEO de Hamburg/Aliança
A cadeia logística portuária do Brasil continuará uma das mais caras do mundo enquanto o país não der continuidade aos muitos projetos de melhoria que são propostos, mas nunca aplicados.
entrevista na série UOL Líderes.
Portos melhoraram, mas custo Brasil é alto.
UOL – Quais são os melhores portos do país e quais os que precisam de mais investimentos?
Julian Thomas – O melhor porto é o de Itapoá (SC) porque temos uma participação lá. Mas, brincadeiras à parte, é um porto muito bom. Os portos do Sul e Sudeste receberam muitos investimentos e, em termos de produtividade, chegam perto ou, em alguns casos, até superam portos da Europa. Da Ásia não, porque não há volume de comparação. Nos outros portos, é necessário resolver questões relacionadas aos sistemas de gerenciamento de tráfego nos acessos a eles. Muitos são fechados por mau tempo. Isso pode ser solucionado se houver um sistema de boias, um controle das vias de acesso e um aprofundamento dos canais de acesso. A mesma coisa na parte terrestre, porque as vias de acesso muitas vezes são congestionadas. O porto de Paranaguá (PR) é famoso por essas dificuldades. Em Santos (SP), tivemos problemas. Com a crise (econômica), isso foi resolvido, mas é só o volume aumentar um pouco e, de novo, vamos ter problemas. Por isso, é preciso um plano executável, pois há muitos planos de investimento e logística. Cada governo começa um programa de aceleração de crescimento. Acaba ficando com cem programas, e só muito poucos são concluídos. É preciso um plano em que se coloque uma prioridade e realmente se termine, priorizando o aprofundamento de canais e vias de acesso aos porto.
– Qual o porto mais difícil de operar hoje no Brasil?
Provavelmente Suape (PE), pois é muito caro e falta capacidade
– Os empresários também reclamam muito do preço de operações no porto de Santos (SP) em relação, por exemplo, ao de Itajaí (SC). O senhor concorda?
Itajaí concorre com Itapoá, mas com certeza é um “case” de sucesso. A comunidade vive do porto e criou um espírito em volta do porto para fazer aquilo funcionar. Santos também vive do porto, mas lá há muitas cargas que competem entre si. Precisava ser mais bem organizado. Já houve iniciativas para organizar melhor o trânsito, mas Santos é mais caro do que o Sul, com certeza.
– E a alta do dólar afeta o negócio?
Afeta, sobretudo a volatilidade. Isso dificulta o planejamento dos nossos clientes, dificulta o nosso planejamento, o preço. O impacto sobre o combustível na cabotagem (navegação só no litoral de um país ou continente) é nefasto porque é cotado em dólar. Mas afeta principalmente o cliente. Ele não sabe quanto vai receber. Pode fazer um “hedge” (uma proteção para garantir valores sem variação), mas num ambiente de volatilidade isso acaba sendo muito caro. Com a volatilidade, acaba não fazendo um investimento que queria, esperando que as coisas fiquem mais claras ou mais tranquilas.
– Se compararmos o custo dos portos brasileiros com os da China, podemos dizer que os nossos são mais caros?
São mais caros.
– São os mais caros do mundo?
Não, isso não, com certeza não são os mais caros do mundo. O que encarece não é um fator, é um conjunto de fatores e ineficiências que fazem a cadeia de logística ser cara. Por exemplo, o peso do frete da Ásia para cá de um par de tênis é quase irrelevante. Seriam talvez 15 centavos de dólar para um par de sapatos. Mas o que vem ao longo da cadeia de impostos, de paradas esperando liberação da carga, do transporte terrestre, do seguro porque o risco de roubo é alto, todas essas coisas combinadas fazem o custo no Brasil ser mais alto, o que inibe o crescimento.
– Para entender: se mandássemos o mesmo par de tênis para a China, por exemplo, ele chegaria mais barato lá do que aqui?
Eu acho que a comparação seria um par de tênis chegando da China aos EUA. Sai muito mais barato em Chicago (EUA) do que um par de tênis em Campinas (SP). Mas tenho esperança de que um dia vai mudar.
– Quais os principais desafios para o comércio exterior brasileiro?
No Brasil, o comércio exterior é muito pequeno ainda. Ele participa apenas com 1% do comércio exterior mundial e já teve uma maior participação dos produtos industrializados. Relativamente há poucos anos, o Brasil exportava muito mais produtos manufaturados. Com a falta de competitividade, foi diminuindo, e hoje a exportação é basicamente de produtos agrícolas. Isso é bom, mas melhor ainda seria industrializar esses produtos e mandar. Por exemplo, em vez de mandar couro para a China e comprar os sapatos lá, o Brasil poderia voltar a exportar sapatos como era no passado. O desafio é de reduzir o custo, voltar a ter um parque industrial vibrante e isso vem através de produtividade e redução de custo, porque mão de obra o Brasil tem. Há um problema de educação que precisa ser enfrentado, mas o brasileiro em si é supercriativo, superesforçado e disposto a aprender e veste a camisa das empresas em que trabalha muito rapidamente. Então, há matéria-prima abundante e material humano também abundante e com disposição de aprender.
– O que o senhor acha da questão da corrupção no Brasil?
Houve uma explosão da corrupção. Existe em todos os países um nível de corrupção. No Brasil, nos últimos 20 anos, explodiu e chegou ao que chegou. Acho ótimo que o problema esteja sendo endereçado. Muita gente me pergunta se eu acho que a mudança é para valer ou se estão fazendo agora uma grande “onda” e depois vão voltar ao que era. Eu acho que não, porque essa questão de compliance está sendo levada a sério internacionalmente. Hoje, se alguém quer pagar alguma coisa por fora, os controles nacionais e internacionais são muito mais rígidos que no passado. Tenho a esperança de que a corrupção diminua. Não vai acabar nunca. Seria irreal pensar isso, mas se diminuir já é um benefício tremendo para a sociedade, porque libera o dinheiro para ser investido em coisas que são essenciais, começando pelo saneamento básico.
– O que senhor espera do novo presidente da República?
Espero do novo presidente que ele faça o que o Brasil precisa, que é resolver o problema da Previdência e do déficit das contas públicas. Se vai fazer, não sei. O que eu posso dizer é que o Brasil é tão grande que vai sobreviver a isso também. E, como empresas, temos que nos adaptar ao que vier, e sempre é possível se adaptar dentro do Brasil para continuar prosperando de uma forma ou outra. A Hamburg está aqui há tanto tempo porque soube se adaptar e crescer, apesar dos altos e baixos que o Brasil teve.
– Na questão do combustível, o senhor acredita que o governo privilegia mais o sistema rodoviário do que o de navegação?
Não usamos diesel direto. Usamos um óleo pesado, mas é verdade que não há isonomia no tratamento dos combustíveis. O governo poderia nos ajudar porque pagamos o preço internacional mais o PIS/Confins, que onera bastante em comparação aos caminhões. Mas isso é só um elemento. Acreditamos que o modal ganhou seu espaço. Em 2017, a cabotagem transportou -entre cabotagem, carga internacional distribuída ao longo da costa e a carga de Mercosul- 1 milhão de contêineres, o que seria o equivalem a 1 milhão de viagens de caminhão nas estradas. O governo pode apoiar (o setor) facilitando o que eu chamo de “burrocracia”, com dois erres, porque não há um trânsito fluido de carga em termos de documentação. Inventou-se, por exemplo, um documento eletrônico para transporte que, em si, é um progresso. Só que -coisas do Brasil- há um eletrônico que ajuda a Receita a fiscalizar, mas cada caminhão ainda precisa andar com um documento físico, o que é um contrassenso. Deveria ser possível ter o controle do caminhão por meio eletrônico, já que há um documento de transporte eletrônico. Nesse tipo de coisa, o governo pode ser mais incisivo em simplificar o processo documental. Todo o transporte da cadeia pode crescer ainda mais. Claro, precisamos de investimentos em portos, mas isso a iniciativa privada também pode fazer, precisa licitar. Por exemplo, um porto que precisa urgente de mais capacidade é o de Suape (PE). O governo pode ajudar na infraestrutura e na eficiência da burocracia.
– O que o senhor acha da reforma trabalhista?
Excelente, porque um dos desafios que toda empresa tem no Brasil são os riscos trabalhistas. Devem-se proteger os direitos dos trabalhadores, mas a lei antiga era antiquada, e o processo favorecia a judicialização da relação de trabalho entre a empresa e o colaborador. Também falando de “custo Brasil”, a decisão sobre o trabalho temporário é importante porque isso aumenta o potencial de eficiência e a produtividade.
– Vocês trabalham com muita mão de obra temporária?
Nem tanto, mas agora temos potencial para terceirizar parte do que fazemos para outras empresas, que talvez possam fazer de maneira mais eficiente. Antes nem poderíamos cogitar (a terceirização).
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